Quando eu estava no colégio, era conhecido por todos como o
carinha viciado por livros. Uma das perguntas que eu mais ouvia era: “Quantos livros você já leu na vida?”
“Quantos livros você lê por mês?”
Considerando-se
que a juventude atual está acostumada a ler em média pouco mais de três livros por ano, era compreensivo que
ficassem surpresos e curiosos ao conhecer alguém que simplesmente gostasse de
ler. Essas perguntas, portanto, eram apenas um fator da curiosidade, típicas
daquele interesse que temos por coisas incomuns.
Mas, tempos depois,
ao ter contato com outros amantes da leitura, percebi que muitos deles repetiam
essas perguntas entre si. Orgulhavam-se nos meses que liam mais livros, se
desculpavam nos meses que liam menos. Percebia-se que, inconscientemente, a
ideia corrente de bom leitor era mesurada pela quantidade de livros que este
lia.
Isso é uma das
coisas que mais estragam os leitores atualmente. Afinal, querendo ler sempre
mais e mais livros, começa-se a se a procura por leituras mais fáceis e superficiais, que não requeiram grande tempo ou pesquisa, ou
aprofundamento no texto para compreensão do seu verdadeiro sentido. Começa-se a
se preocupar cada vez mais com o que os outros estão lendo, e a se procurar
livros que pareçam com aquele livro que você lá leu e gostou. Isso explica,
aliás, porque sagas quase idênticas umas às outras fazem sucesso com os mesmos
fãs, que parecem incapazes de admitir a grande semelhança entre elas.
Isso é ser um bom
leitor? Isso que nos torna inteligentes? Estamos realmente adquirindo
conhecimento, ou apenas lendo palavras repetidas e vazias, sem nada a dizer?
Pouco se ouve
falar em livros clássicos. Aliás, nesse meio, a palavra “clássico” ganhou um
sentido conotativo, sendo associada à livros chatos e complicados, sem nada
interessante à acrescentar. Com isso perde-se muito. Escritores geniais e com
obras riquíssimas são desperdiçados. Não se conhece Mark Twain, que escreveu dois
dos melhores romances juvenis de todos os tempos – As Aventuras de Tom Sawyer e As
Aventuras de Hucleberry Finn. Ou Júlio Verne, possivelmente o melhor de
todos os escritores de ficção científica. Victor Hugo, autor de livros famosos
por suas adaptações cinematográficas, mas cujo valor está na crítica que fazem
a sociedade de sua época – por exemplo, Os
Miseráveis e O Corcunda de Notre Dame.
Não se conhece Dostoiévski e seu famoso Crime
e Castigo, ou Goethe e seu melancólico Os
Sofrimentos do Jovem Werther... Os épicos gregos, as peças
teatrais, o romantismo melancólico byroniano, as obras-primas da filosofia...
Afinal, todos se
orgulham em dizer que livro é uma fonte de conhecimento. Associam a leitura à
inteligência, à novas oportunidades, à construção do sucesso... Mas poucos
realmente bebem dessa fonte. Saciam-se facilmente apenas no primeiro gole.
“Mas livro é, na
minha opinião, entretenimento. E me entretenho com as coisas que eu gosto.”
Correto, o bom leitor é aquele que lê porque gosta. Mas gostar de coisas
superficiais apenas nos torna superficiais. Não que devemos nos obrigar a ler
coisas que não gostamos. Pelo contrário, esse é realmente o segredo.
Ao lermos aquele
livro que todo mundo fala e nos sentirmos apaixonados por ele, temos duas
opções à frente. A primeira é procurar por um clone, que siga a mesma estrutura
e roteiro, mudando apenas os personagens e a ambientação. Isso é o que mais
acontece, razão pela qual muitos escritores por aí estão sempre nas listas dos best sellers. YAs, distopias,
fantasias...
Mas há uma
segunda opção, a mais recomendada. Procure por outro livro, com o mesmo tema,
mas com uma abordagem diferente, uma história própria e que seja capaz de te
surpreender de uma nova forma. Procure depois por um mais antigo sobre o
assunto... Ou escrito por um escritor de um país diferente... Ou um que se
utilize de outra forma de narrativa... E
por aí vai. Aos poucos a mente começa a se abranger, permitindo-nos compreender
como diferentes autores, de diferentes épocas, diferentes localidades,
abordaram o mesmo assunto, tema, base de roteiro.
E, entretendo-nos e
lendo aquilo que gostamos, aos poucos vamos adquirindo – mesmo que inconscientemente – novos conhecimentos. Vamos evoluindo na literatura. Não importa
se vai levar duas semanas pra ler aquele livro ou um mês pra ler aquele outro:
o que extrairmos deles nos acompanhará para a vida toda. Ao se priorizar a
qualidade sobre a quantidade, acredite, estaremos aproveitando esse maravilhoso
e raro dom que possuímos. O amor à literatura.