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07 março, 2015

Crônica: A Arte da Inconveniência


       Falar inconveniências é uma arte realmente incômoda.

    Aos meros mortais só é dado sonhar não possuí-la. Mas que sonho inútil! Pois sim, este é um presente, o primeiro talvez, que ganhamos ao nascer. Ao ver o filho pela primeira vez a mãe sorri alegre, embalando-o aos braços ao som de uma valsa imaginária. Mas este, inconveniente, retribui tal amor com berros estridentes e sofridos, como se expressasse insatisfação, falta de gratidão, por ter chegado a este belo mundo.

    A criança, arrumada e perfumada, lança olhares nervosos à mãe. Sabe que estão na casa de estranhos. A tia, boazinha, não para um instante sequer de lhe oferecer deliciosos petiscos, bolos e doces, dizendo que, se não comer nada, acabará magra como um palito. Mas a criança, relutante, nega tudo que lhe é oferecido, acrescentando que a mãe o proibira de aceitar qualquer coisa na casa dos outros. Santa inconveniência!, reza a mãe, lançando olhares rubros para o teto, enquanto esboça um sorrisinho de surpresa e espanto.

    Está no sangue a inconveniência. Ela é quase subconsciente, e quem a possui encontra grandes dificuldades em controlá-la. Trata-se de um parasita insaciável e constante, cuja grande finalidade é reduzir a pó o seu hospedeiro. Aquela pulga inquieta, a quem o cão tão sofregamente tenta afastar com as patas, mas só consegue fazer com que ela se multiplique e se alastre. Lutar contra a inconveniência é uma guerra perdida.

    Uma grande explosão deu origem ao Universo. Um mecanismo perfeito, belo e criativo; mas a inconveniência gerou um planeta mínimo, insignificante, que guardou em si todos os rastros da violência súbita da criação. Uma pequena mancha em toda a imensidão da existência. Universo ainda ergueu as patas contra esse parasita, mas tudo que conseguiu foi por fim à vida de pobres e inocentes dinossauros, que pagaram por um crime que ainda não fora cometido.

    Espero não estar sendo inconveniente. Esta é uma espera sem fim, sem fundamento, cujo argumento se perdeu, se é que sequer existiu. Afinal, falar da inconveniência é uma inconveniência neste lugar tão sagrado. E repetir o termo inconveniência de modo inconveniente tantas vezes é algo ainda mais inconveniente, se não um paradoxo.

     Afinal, fui inconveniente a minha vida toda; e você aí, com seu sorriso cético mascarado por uma expressão séria e um sentimento cômico pulsando nas veias, também o foi. Mas você não está sendo agora. Porque escrevi esse texto esperando que você o lesse, e é muito conveniente de sua parte que você o tenha lido.


    É.

26 fevereiro, 2015

Livros: Quantidade ou Qualidade?



    Quando eu estava no colégio, era conhecido por todos como o carinha viciado por livros. Uma das perguntas que eu mais ouvia era:  “Quantos livros você já leu na vida?” “Quantos livros você lê por mês?”

    Considerando-se que a juventude atual está acostumada a ler em média pouco mais de três  livros por ano, era compreensivo que ficassem surpresos e curiosos ao conhecer alguém que simplesmente gostasse de ler. Essas perguntas, portanto, eram apenas um fator da curiosidade, típicas daquele interesse que temos por coisas incomuns.

    Mas, tempos depois, ao ter contato com outros amantes da leitura, percebi que muitos deles repetiam essas perguntas entre si. Orgulhavam-se nos meses que liam mais livros, se desculpavam nos meses que liam menos. Percebia-se que, inconscientemente, a ideia corrente de bom leitor era mesurada pela quantidade de livros que este lia.

    Isso é uma das coisas que mais estragam os leitores atualmente. Afinal, querendo ler sempre mais e mais livros, começa-se a se a procura por leituras mais fáceis e superficiais, que não requeiram grande tempo ou pesquisa, ou aprofundamento no texto para compreensão do seu verdadeiro sentido. Começa-se a se preocupar cada vez mais com o que os outros estão lendo, e a se procurar livros que pareçam com aquele livro que você lá leu e gostou. Isso explica, aliás, porque sagas quase idênticas umas às outras fazem sucesso com os mesmos fãs, que parecem incapazes de admitir a grande semelhança entre elas.

    Isso é ser um bom leitor? Isso que nos torna inteligentes? Estamos realmente adquirindo conhecimento, ou apenas lendo palavras repetidas e vazias, sem nada a dizer?

    Pouco se ouve falar em livros clássicos. Aliás, nesse meio, a palavra “clássico” ganhou um sentido conotativo, sendo associada à livros chatos e complicados, sem nada interessante à acrescentar. Com isso perde-se muito. Escritores geniais e com obras riquíssimas são desperdiçados. Não se conhece Mark Twain, que escreveu dois dos melhores romances juvenis de todos os tempos – As Aventuras de Tom Sawyer e As Aventuras de Hucleberry Finn. Ou Júlio Verne, possivelmente o melhor de todos os escritores de ficção científica. Victor Hugo, autor de livros famosos por suas adaptações cinematográficas, mas cujo valor está na crítica que fazem a sociedade de sua época – por exemplo, Os Miseráveis e O Corcunda de Notre Dame. Não se conhece Dostoiévski e seu famoso Crime e Castigo, ou Goethe e seu melancólico Os Sofrimentos do Jovem Werther... Os  épicos gregos, as peças teatrais, o romantismo melancólico byroniano, as obras-primas da filosofia...

    Afinal, todos se orgulham em dizer que livro é uma fonte de conhecimento. Associam a leitura à inteligência, à novas oportunidades, à construção do sucesso... Mas poucos realmente bebem dessa fonte. Saciam-se facilmente apenas no primeiro gole.

     “Mas livro é, na minha opinião, entretenimento. E me entretenho com as coisas que eu gosto.” Correto, o bom leitor é aquele que lê porque gosta. Mas gostar de coisas superficiais apenas nos torna superficiais. Não que devemos nos obrigar a ler coisas que não gostamos. Pelo contrário, esse é realmente o segredo.

    Ao lermos aquele livro que todo mundo fala e nos sentirmos apaixonados por ele, temos duas opções à frente. A primeira é procurar por um clone, que siga a mesma estrutura e roteiro, mudando apenas os personagens e a ambientação. Isso é o que mais acontece, razão pela qual muitos escritores por aí estão sempre nas listas dos best sellers. YAs, distopias, fantasias...

     Mas há uma segunda opção, a mais recomendada. Procure por outro livro, com o mesmo tema, mas com uma abordagem diferente, uma história própria e que seja capaz de te surpreender de uma nova forma. Procure depois por um mais antigo sobre o assunto... Ou escrito por um escritor de um país diferente... Ou um que se utilize de outra forma de narrativa...  E por aí vai. Aos poucos a mente começa a se abranger, permitindo-nos compreender como diferentes autores, de diferentes épocas, diferentes localidades, abordaram o mesmo assunto, tema, base de roteiro.

    E, entretendo-nos e lendo aquilo que gostamos, aos poucos vamos adquirindo – mesmo que inconscientemente – novos conhecimentos. Vamos evoluindo na literatura. Não importa se vai levar duas semanas pra ler aquele livro ou um mês pra ler aquele outro: o que extrairmos deles nos acompanhará para a vida toda. Ao se priorizar a qualidade sobre a quantidade, acredite, estaremos aproveitando esse maravilhoso e raro dom que possuímos. O amor à literatura.



03 setembro, 2014

Tag: Feitiços de Harry Potter

    Eae, galera, só na boa?:
  Tem muito tempo que não faço uma tag aqui no blog. Então, pra mudar isso e voltar a por as coisas nos eixos, resolvi fazer essa aqui, que foi criada pelo canal TurtleSympathy e traduzida para nossa língua-mãe pelo blog Arrastando as Alpargatas. A tag consiste em pegar 10 feitiços da série Harry Potter e relacioná-los a livros. 
    E aí, bora conferir?





Expecto Patronum: Um livro de infância relacionado a boas memórias.

Os Doze Trabalhos de Hércules
 


Já falei aqui o quanto minha infância foi marcada por Monteiro Lobato, e também o quanto sou apaixonado pela boa mitologia grega. Esse é o meu livro preferido do escritor, além de ser um dos que eu mais reli na vida... Enfim, esse livro na verdade resume a minha infância, na qual a vida parecia sempre ser uma grande fantasia...



Expelliarmus: Um livro que te pegou de surpresa.

A Ilha do Tesouro
 


Há muuuitos anos atrás, peguei esse livro na biblioteca da escola, sem nenhuma expectativa. Nunca tinha lido uma história de piratas antes, ou algum outro livro do Robert Louis Stevenson. Mas logo no primeiro capítulo, já fiquei surpreso. Era uma coisa completamente nova, um ambiente completamente novo, e uma mitologia tão incrível que eu soube que me marcaria para sempre. E estava certo: A Ilha do Tesouro me fez apaixonar pelas histórias de piratas, que me influenciaram tanto que devo a elas o título desse meu blog. O livro também criou toda uma base, uma referência para as histórias futuras de piratas. O estereótipo do pirata de perna de pau e com um papagaio no ombro, por exemplo, surgiu através do personagem Long John Silver – o pirata mais influente da ficção.



Priori Incantatem: O último livro que você leu.

A Guerra dos Tronos
 


Depois de ter visto todas as temporadas de Game of Thrones, pensei: foda-se, eu tenho que ler essa série, mesmo já sabendo de tudo que vai acontecer de importante. E comprei A Guerra dos Tronos. E que livro! O fato de você já conhecer a história não atrapalha em nada a leitura, na verdade até a complementa e a torna mais excitante. O fato é que, só pelo primeiro livro, já posso dizer que As Crônicas de Gelo e Fogo é uma das melhores e mais inteligentes séries literárias de todos os tempos.



Alohomora: Um livro que te apresentou a um gênero que você não tinha considerado antes.

Viagem ao Centro da Terra – Ficção Científica
 


O livro conta a história de um cientista que descobre um pergaminho com instruções que podem levá-lo ao centro da Terra. Tem ficção científica melhor que isso? Júlio Verne pode ser considerado o pai, senão, o popularizador desse gênero literário. Li esse livro quando ainda era criança e, antes dele, eu nunca tinha me interessado por nada que fosse rotulado como ficção científica. E hoje esse gênero é um dos meus três favoritos – junto com a ficção policial e a fantasia.



Riddikulus: Um livro engraçado que você leu.

O Fantasma de Canterville
 


Esse livro é na verdade um conto do escritor irlandês Oscar Wilde – o cara. A história em si nem é uma comédia – é um conto sobrenatural, com algumas alusões aos costumes da época. Mas a história do fantasma que faz de tudo para expulsar a família que se mudou para sua antiga mansão (já ouviu essa história antes?? Foi aqui que tudo começou...) é tão bem contada que, quando você vê, você está rindo do fracasso do espírito e, na verdade, torcendo para que ele consiga o que quer...


Sonorus: Um livro que você acha que todos deveriam conhecer.

Sherlock Holmes
 


Eu sei que todo mundo já ouviu falar em Sherlock Holmes, mas uma boa parte das pessoas só conhece o famoso detetive através das adaptações para o cinema e a televisão. Os livros de Sir Arthur Conan Doyle são fascinantes, com uma linguagem intrigante, passagens que te transportam para os cenários e os costumes de uma Londres vitoriana e, o melhor, a convivência com o espírito sarcástico e quase inumano de Sherlock Holmes – o que muitas adaptações não conseguem traduzir genuinamente para as telas.



Obliviate: Um livro ou spoiler que você gostaria de esquecer ter lido.

O Símbolo Perdido
 


Gosto muito de Dan Brown. O Código da Vinci é um dos livros mais fascinantes que eu já vi, e seu predecessor, Anjos e Demônios, é talvez o melhor livro do autor. Por isso, quando eu comecei a ler O Símbolo Perdido, fiquei na expectativa de ler um livro tão impactante quanto os outros dois anteriores com Robert Langon. E no início a história até foi bacana, mantendo o ritmo eletrizante característico do autor. Mas enquanto a leitura ia decorrendo, eu percebia que a história em si não estava lá grande coisa e, quando cheguei ao final, descobri que estava bem decepcionado. A grandiosidade de Anjos e Demônios e O Código Da Vinci simplesmente se perdera...



Imperio: Um livro que você teve que ler para escola.

O Demônio Familiar
 


Esse livro é bem pequenino, sendo na verdade uma peça teatral. Quando comecei a lê-lo, achei que seria chato como todos os livros que somos obrigados a ler na escola (por isso que eles são chatos, haha). Mas tive uma surpresa; logo entrei no clima da peça, que é uma comédia que trata principalmente das relações familiares e dos costumes da época. Já reli e pretendo reler de novo...



Crucio: Um livro que foi doloroso para ler.

Harry Potter e as Relíquias da Morte
 


Foi doloroso saber que era o fim; que depois daquele livro, não haveria mais histórias daquele mundo que já era parte da sua vida. Que a cada página que você virava te deixava mais perto do momento do adeus... E, enquanto isso, você também sofria ao ver alguns personagens queridos morrendo... Era como ter que dizer adeus duas vezes. E, quando finalmente você termina o livro, vem aquela melancolia, aquele sentimento de vazio, e aquela ressaca literária que será a mais longa da sua vida.



Avada Kedavra: Um livro que pode matar (interpretação livre)

Harry Potter e a Pedra Filosofal.
 



Esse é um livro que pode mudar sua vida; o trouxa em você morre e dá lugar à um bruxo. Um mundo completamente novo que vai te invadir lentamente. Personagens vão te conquistar de tal forma que às vezes você vai ter a impressão de que realmente os conheceu, falou com eles, os abraçou... Depois de ler Harry Potter, a pessoa tem 99% de chances de nunca mais ser a mesma. E você vai ler outras séries legais, bacanas, algumas até parecidas, e vai amá-las também. Mas esta sempre será a sua favorita.


    E aí, o que vocês acharam? Quem quiser fazer essa tag, ou escrever nos comentários outros livros que te enfeitiçaram, sinta-se à vontade!


por Diego B. Oliveira

31 agosto, 2014

Monteiro Lobato e o Sítio do Picapau Amarelo

    Todo mundo se lembra de algum livro ou algum autor que marcou a sua infância. Se não a sua infância física, a sua infância literária...

   No meu caso, houve um escritor que influenciou ou, na verdade, criou toda a minha forma de enxergar a literatura. Fez a minha imaginação voar, prendendo-me horas e horas nos livros, levando-me para os mais diversos e distantes mundos - constelações celestes, a Grécia Antiga, reinos encantados no fundo do mar, navios piratas e muito mais... Monteiro Lobato.




    Monteiro Lobato (1882-1948) pode ser considerado o maior escritor infanto-juvenil da história do Brasil; ao longo de sua vida, lançou diversos livros dos mais variados gêneros, mas é especialmente reconhecido e venerado por ter criado e dado vida aos personagens do Sítio do Picapau Amarelo.




    Emília, Pedrinho, Narizinho, Dona Benta, Tia Nastácia, Visconde de Sabugosa, Marquês de Rabicó, Cuca... Mesmo quem nunca leu nenhum livro do autor conhece esses personagens. Afinal, durante muitos anos, a Rede Globo adaptou algumas das obras de Monteiro Lobato para a telinha...


  

  As adaptações da TV por si próprias marcaram a infância de muitos telespectadores. Mas ela é muito, mas muito inferior aos livros escritos pelo autor. A escrita de Monteiro Lobato permite que o leitor tenha total liberdade para vivenciar as mais fantásticas cenas, nos mais diversos lugares... E tudo isso sem didatismo.

    Afinal, por mais que os livros do Sítio do Picapau Amarelo possam ser classificados como obras infantis, o autor se utiliza de uma linguagem completamente universal. Sua escrita serve tanto para crianças como para adultos; afinal, Lobato não subestima a inteligência do pequeno leitor e, ao mesmo tempo, permite aos leitores mais velhos tanto relembrar a magia da infância quanto adicionar novas informações e visões para sua vida adulta.



     Monteiro Lobato leva os habitantes do Sítio do Picapau Amarelo para os mais diversos lugares. Em O Minotauro e Os Doze Trabalhos de Hércules, livros responsáveis por me fazer apaixonado pela mitologia e pela cultura grega, os personagens vão para a Grécia Antiga, onde conhece personagens históricos, como Péricles, e personagens mitológicos, como Hércules, Belerofonte e, pra falar a verdade, quase todas as figuras da mitologia grega.




    Em Viagem ao Céu, o autor nos leva literalmente ao céu. Viajamos em caudas de cometas, através das mais diversas estrelas e, em certo momento, conhecemos até mesmo um anjinho machucado...



    Em O Picapau Amarelo, os personagens do mundo da fábula – o mundo dos príncipes e princesas dos contos de fadas, dos seres mitológicos etc. – resolvem se mudar para o sítio, trazendo com eles seus animais, terras, mares... E, enquanto o autor vai descrevendo os personagens e a narrativa se desenrola, a gente realmente se convence de que aqueles são os personagens cuja história a gente cresceu ouvindo, embora agora retratados sob uma ótica diferente.


     Em Peter Pan e Dom Quixote das Crianças, por exemplo, o autor reconta dois clássicos da literatura universal através de Dona Benta, que narra as histórias para os habitantes do sítio. As narrativas são entremeadas por pequenas aventuras que acontecem no próprio sítio, além de diálogos entre os personagens que  debatem e opinam sobre a história que estão ouvindo...






    Se eu continuar, vou acabar citando todos os livros do autor. E esse não é o meu objetivo aqui; aqueles que já leram Monteiro Lobato certamente compartilham do meu entusiasmo por sua literatura e, aos que não leram, recomento seriamente. E não se engane; a obra é infantil só na classificação. No conteúdo, ela conquista jovens, adultos e idosos, sempre no mesmo espírito de aventura e sempre trazendo novos aprendizados. Afinal, quem lê Monteiro Lobato aprende muita coisa; desde lendas greco-romanas, brasileiras, até sobre história, geografia, petróleo e política. Uma literatura universal e eterna!





por Diego B. Oliveira





23 agosto, 2014

Cine Resenha: Laranja Mecânica


    Stanley Kubrick havia terminado de lançar um dos maiores clássicos do cinema, 2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968), e se firmava como um dos diretores mais expressivos de Hollywood. Mas, três anos depois, em 1971, ele confirmou o poder de sua arte no surpreendente filme Laranja Mecânica, que conta com Malcolm McDowell no papel principal em uma atuação única no cinema.

   



Filme: Laranja Mecânica
País/Ano: EUA / Reino Unido, 1971
Gênero: Drama, Ficção Científica, Distopia, Crime.
Duração: 136min
Direção: Stanley Kubrick
Elenco: Malcolm McDowell, Patrick Magee, Adrienne Corri, Miriam Karlim, entre outros.









    O filme é uma adaptação do romance homônimo do britânico Anthony Burgess, de 1962, figura presente nas listas dos grandes clássicos da literatura. Alex é aparentemente um jovem comum, com todos os problemas característicos da juventude, que leva durante o dia uma vida normal, sob os olhos vigilantes dos pais. À noite, entretanto, ele sofre uma completa metamorfose. Lidera uma gangue de vândalos que, vagando livremente pelas ruas da cidade, espalham um pouco da velha e boa violência. 


    Em uma dessas noites, eles invadem a casa de uma rica senhora que, sem que eles soubessem, havia chamado a polícia momentos antes. Quando Alex entra na residencia, a senhora tenta se defender, o que o leva a golpeá-la com um objeto semelhante à um falo gigante. Quando escuta as sirenes da polícia, o rapaz tenta fugir, mas um de seus amigos lhe acerta uma garrafa de leite na cara. Eles o abandonam caído e atordoado; há muito tempo estavam descontentes com a forma que Alex lhes impunham liderança. Alex é capturado e condenado a 14 anos de prisão por assassinato, já que a velha não sobrevivera ao golpe e morrera mais tarde no hospital.

     Mas, após dois anos de sentença e de comportamento exemplar,  o rapaz se oferece como cobaia para o tratamento Ludovico, um novo programa do governo que propõe a cura para a violência.


    Após o tratamento, Alex é liberado e posto de volta na sociedade. Ele é agora incapaz de agir com violência, de olhar lascivamente para uma mulher ou mesmo de escutar a 9ª Sinfonia de Beethoven. Seu corpo reage à esses elementos com enjoos, dores e convulsões. Entretanto, mesmo "curado", a sociedade fica relutante em aceitá-lo de volta; sua família não o recebe apropriadamente, o que leva Alex a ter que procurar outro lugar para morar. Além disso, ele reencontra velhos amigos e inimigos a quem havia ferido e humilhado em seus tempos de violência, e todos querem se vingar dele.



    Laranja Mecânica trabalha com vários temas. O filme, através dos olhos do anti-herói Alex, lança um olhar irônico sobre a sociedade e suas regras, suas leis. O personagem principal despreza tanto os marginalizados – mendigos, por exemplo – quanto os ricos. Sua forma de contestar é através da violência, seja ela física, moral ou verbal. 


    A questão moral é levantada em vários aspectos, seja na banalização da violência, seja no método utilizado para controlá-la. Afinal, vale a pena acabar com o livre-arbítrio de um indivíduo para controlar os seus instintos, a sua violência? Isso é cura ou controle? Esse é um dos debates que ocorrem dentro do próprio filme entre os defensores da cura e aqueles que se opõem a ela.

    A trilha sonora também é marcante. Depois de ver o filme, a pessoa nunca mais conseguirá ouvir Singing in the Rain ou a 9ª Sinfonia de Beethoven do mesmo jeito. O diretor Stanley Kubrick utiliza a música clássica em vários momentos, ilustrando cenas de violência, sexo e de abandono. Um uso característico da contra-cultura...

    O filme é um dos marcos da contra-cultura no cinema. Talvez por isso eu tenha relutado tanto em gostar dele; trata-se, afinal, de um gênero cuja função crítica, sarcástica e irônica não é compreendida por todos.  De qualquer forma, o filme é excelente e recheado de temas para reflexão. Para muitos, esse é o melhor filme do diretor, embora na minha opinião esse título será sempre de 2001 - Uma Odisseia no Espaço.


por Diego B. Oliveira