Falar inconveniências é uma arte realmente
incômoda.
Aos
meros mortais só é dado sonhar não possuí-la. Mas que sonho inútil! Pois sim,
este é um presente, o primeiro talvez, que ganhamos ao nascer. Ao ver o filho
pela primeira vez a mãe sorri alegre, embalando-o aos braços ao som de uma
valsa imaginária. Mas este, inconveniente, retribui tal amor com berros
estridentes e sofridos, como se expressasse insatisfação, falta de
gratidão, por ter chegado a este belo mundo.
A
criança, arrumada e perfumada, lança olhares nervosos à mãe. Sabe que estão na
casa de estranhos. A tia, boazinha, não para um instante sequer de lhe oferecer
deliciosos petiscos, bolos e doces, dizendo que, se não comer nada, acabará
magra como um palito. Mas a criança, relutante, nega tudo que lhe é oferecido,
acrescentando que a mãe o proibira de aceitar qualquer coisa na casa dos
outros. Santa inconveniência!, reza a mãe, lançando olhares rubros para o teto,
enquanto esboça um sorrisinho de surpresa e espanto.
Está no sangue a inconveniência. Ela é quase subconsciente, e quem a
possui encontra grandes dificuldades em controlá-la. Trata-se de um parasita
insaciável e constante, cuja grande finalidade é reduzir a pó o seu hospedeiro.
Aquela pulga inquieta, a quem o cão tão sofregamente tenta afastar com as
patas, mas só consegue fazer com que ela se multiplique e se alastre. Lutar
contra a inconveniência é uma guerra perdida.
Uma
grande explosão deu origem ao Universo. Um mecanismo perfeito, belo e criativo;
mas a inconveniência gerou um planeta mínimo, insignificante, que guardou em si
todos os rastros da violência súbita da criação. Uma pequena mancha em toda a
imensidão da existência. Universo ainda ergueu as patas contra esse parasita,
mas tudo que conseguiu foi por fim à vida de pobres e inocentes dinossauros,
que pagaram por um crime que ainda não fora cometido.
Espero não estar sendo inconveniente. Esta é uma espera sem fim, sem
fundamento, cujo argumento se perdeu, se é que sequer existiu. Afinal, falar da
inconveniência é uma inconveniência neste lugar tão sagrado. E repetir o termo
inconveniência de modo inconveniente tantas vezes é algo ainda mais
inconveniente, se não um paradoxo.
Afinal, fui inconveniente a minha vida toda; e você aí, com seu sorriso
cético mascarado por uma expressão séria e um sentimento cômico pulsando nas
veias, também o foi. Mas você não está sendo agora. Porque escrevi esse texto
esperando que você o lesse, e é muito conveniente de sua parte que você o tenha
lido.
É.