Em um dia chuvoso, eu queria andar calmamente, observando as breves ondas que meus pés produziriam na rua alagada. Meu pensamento vagaria suave para lugares distantes, talvez em outra vida, e meus olhos se encheriam de lágrimas, lembrando-se de tudo que não aconteceu, mas poderia ter acontecido.
Encontraria na esquina um jovem poeta com um guarda-chuva nas mãos, sentado ao chão, refletindo longamente sobre sua próxima poesia. De tempos em tempos ele ergueria o olhar na direção de uma moça, encostada no peitoril da janela de forma que a chuva viesse a lhe banhar suas belas faces, e o vento jogasse para trás seus cabelos longos e revoltos. Eu me sentaria ao lado do poeta e também contemplaria, encantado, a sua musa, desejando possuir o nobre dom da arte, a arte que tão sutilmente enlaça e cativa o coração das mulheres.
A chuva aumentaria e se tornaria uma tempestade. Eu me deitaria na calçada, e escutaria o poeta chorar suas paixões e a dor que lhe fazia a distancia da amada. E eu também sofreria, desejando com todas as forças da minha alma estar ali, naquela janela, ao lado da bela deusa, desfrutando de sua presença de seu amor. Queria puxá-la para uma valsa, abraçar seu corpo suave, e tocar os seus lábios em um beijo eterno, que se perderia através do tempo infinito.
Mas a bela deusa, acuada pela tempestade, entraria em seu quarto e fecharia a janela, privando-nos da visão de seu encantado ser. E, em um instante, todo o sentido da vida desapareceria, restando apenas a dor de sua ausência. Não suportando aquele sofrimento, eu me levantaria e deixaria o poeta a chorar suas poesias, e entraria no primeiro bar que encontrasse pelo caminho. Completamente molhado, escutando a chuva castigar o teto e o vento arrastar a mobília, eu me jogaria em uma cadeira qualquer, aceitaria a primeira bebida que me fosse oferecida e me perderia em pensamentos e lágrimas.
Mas seria logo despertado por uma turma de bêbados berrantes e errantes, cantando confiantes as histórias de amores esquecidos. Então eu encontraria diversão na minha própria dor e entraria, animado, naquela boemia. E bêbados sairíamos pelas ruas, cantando desesperados, berrando condenados, sofrendo animados. As pessoas nos desprezariam, a tempestade nos castigaria, mas nós continuaríamos; e na esquina reencontraríamos o jovem poeta, e riríamos de sua poesia. Mas ele, pesaroso, também sorriria, e a nós se juntaria, cantando com agonia a dor que lhe trazia um amor que não morria.
O destino, porém, faria com que a janela se abrisse a musa reaparecesse, já sem medo da fúria dos céus, e se deixasse banhar pela tempestade. Despertado por sua visão, que aos outros não aparecia, eu deixaria de lado a boemia e na esquina me largaria. Então nossos olhares se cruzariam e, nesse instante, o universo explodiria. Eu seria levado à mais alta das nuvens, tornando-me parte da alegre tempestade, e transformado em lágrimas eu beijaria as faces encantadas da bela deusa molhada.
Completamente cativado, eu ali ficaria até o cair da noite, trocando olhares agraciados, alimentando-me do brilho daqueles olhos ensolarados. A tempestade só aumentaria, as ruas se desertariam e, por fim, a janela se fecharia. Mas eu não me levantaria, ali mesmo dormiria.
Nessa noite chuvosa, eu queria dormir suavemente, embalado por devaneios impossíveis e tomado por tremores febris. E acordaria no dia seguinte, deitado na esquina, com a constante chuva a me castigar. Então eu descobriria que, na verdade, aquela tempestade não me machucava. Há muito ela já era parte de mim e eu, dela.
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